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Carta Aberta do V Seminário Piauiense de Agroecologia e VIII Grito do Semiárido Piauiense

Aos/as gestores/as do Estado e Municípios do Piauí Às organizações da Sociedade Civil no Piauí Às Cidadãs e Cidadãos Piauienses

Após sete anos da última edição, o Seminário Piauiense de Agroecologia retorna com o chamado do planeta Terra e seus territórios para indivíduos e organizações dialogarem e compartilharem soluções sustentáveis para o enfrentamento das mudanças climáticas e seus impactos naturais e sociais. Foi a primeira edição do Seminário em São Raimundo Nonato, pertencente ao Território Serra da Capivara, sudoeste do Piauí, região do semiárido e da caatinga. Motivo que justifica a data escolhida para o início do evento: 28 de abril, Dia Nacional da Caatinga.

O V Seminário Piauiense de Agroecologia - SPA, foi realizado entre os dias 28 e 30 de Abril de 2025, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí Campus São Raimundo Nonato e reuniu agricultores/as, técnico/as, pesquisadores/as, artesãs/os, artistas, estudantes, consumidores/as e outros interessados em semear discussões sobre as práticas da agroecologia e o enfrentamento das condições climáticas emergentes principalmente na região do semiárido no cenário piauiense; tais como desertificação, improdutividade da terra e ressecamento dos corpos de água; soberania popular e exploração mineral; impactos das energias renováveis; combate aos agrotóxicos; ações de conservação agroflorestais, experiências sobre produção e comercialização sustentável de alimentos saudáveis e políticas públicas para promoção da agroecologia.

Hoje, 30/04, culminamos o V Seminário Piauiense de Agroecologia, realizando nas ruas de São Raimundo Nonato o VIII Grito do Semiárido Piauiense, registrando as pautas aprofundadas, as denúncias e proposições que surgiram neste percurso.

Nossas pautas:

O Seminário aprofundou temas e questões como: pureza, germinação, manejo, armazenagem, preservação e multiplicação da “Semente da Fartura do Piauí”(semente nativa); práticas agroecológicas - água de vidro e fertilizantes; Redesenho dos agroecosistemas familiares para transição agroecológica e o fortalecimento dos sistemas agroalimentares; introdução à meliponicultura; introdução aos Sistemas Agroflorestais – SAF e a utilização dos SAFs para mitigação das mudanças climáticas;bases gerais da pecuária orgânica e alimentação de aves, bovinos, suínos, caprinos e ovinos no sistema orgânico; fontes alternativas de alimentação de aves caipiras; preparações sustentáveis; agroecologia, cuidado e feminismo; acesso dos jovens rurais aos espaços decisórios e de diálogos de agroecologia; formulação de preços de produtos da agricultura familiar e manipulação de plantas bioativas. Mesas redondas sobre: sistemas orgânicos de produção animal; agroflorestas; produção e comercialização de alimentação saudável e políticas públicas de agroecologia.

Registramos que, sentimos, lamentavelmente, a ausência de gestores/as titulares do poder público dos Municípios, Estado e União, que fazem gestão de políticas públicas relacionadas às pautas aprofundadas neste seminário. Pois, compreendemos este momento como imprescindível à escuta, aprofundamento, debate e construção de estratégias de inovação em construção, formulação, investimento e tecnologias sociais nas políticas públicas para a agricultura familiar e de agroecologia.

Nossas denúncias:

  1. Falta de água potável para consumo humano e produção de alimentos saudáveis. Cravado no semiárido piauiense, o município de São Raimundo Nonato e municípios adjacentes vivem uma remota escassez de água potável, água para produção de alimentos saudáveis e dessedentação animal. O alto investimento e ações paliativas como carros pipa, perfuração aleatória de poços artesianos e estruturas de adutoras ineficientes, demonstram desvio de prioridade e falha grave de planejamento do poder público estadual e municipais, beirando a uma situação análoga à de um crime de responsabilidade pelo abandono de gestão contra a população do território.

  2. Estamos na casa do território do Quilombo Lagoas, segundo maior território quilombola do Nordeste em área territorial e o terceiro maior do País em população. Após 14 anos de luta pela titulação, o Quilombo teve negada a assinatura presidencial, do Decreto de Desapropriação do seu território, último passo processual regulamenta para a titulação, sem receber qualquer informação oficial por parte da Casa Civil do Governo Federal, que justificasse tal atitude, visto que o INCRA que concluiu todos os procedimentos regulamentares do processo, atesta que não há qualquer pendência a ser averiguada. Este fato causa estranha surpresa, contraria os compromissos políticos anunciados pelo Governo Lula, e denota intervenção de interesse político contrário aos direitos e a luta do povo quilombola deste território e favorece a ameaça do projeto da SRN MINERAÇÃO e outros projetos minerários e do agronegócio de monocultura que têm interesses nas terras do Quilombo, todos eles rechaçados diversas vezes pelo povo do território por representar um impacto violentamente destruidor do modo de vida do Quilombo Lagoas.

  3. Denunciamos os aberrantes e assustadores dados do desmatamento no Piauí. De 2013 a 2023 perderam-se 1.420.095ha de florestas no Piauí, de acordo com o Mapbiomas. Isso equivale a área de 14 Parques Nacionais Serra da Capivara que abrange 100.000ha ou 23 vezes o território do Quilombo Lagoas que alcança 62.000ha. A capacidade letal desta devastação para os ecossistemas,comunidades e territórios de convivência, forçando seu desaparecimento e impactando em severa mudança do clima, no nosso entendimento, desautoriza governos e grandes corporações a considerar essa atitude como um modelo de desenvolvimento.

  4. Denunciamos a contaminação das águas do Rio Parnaíba pelo intenso uso veneno nas monoculturas no Cerrado Piauiense, comprometendo ecossistemas, a alimentação e o modo de vida de comunidades ribeirinhas em suas margens ao longo do seu percurso, com outras consequências imprevisíveis. “No documento Vivendo em territórios contaminados: Um dossiê sobre agrotóxicos nas águas do Cerrado (campanhacerrado.org.br), a Comissão Pastoral da Terra - CPT, em parceria com a Agência 10Envolvimento, Campanha Nacional em Defesa do Cerrado e pesquisadores da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), afirmam que, definitivamente estamos perdendo o cerrado do Piauí. Dentre as muitas consequências desta destruição estão a perca da qualidade da água, dos mananciais e lenços freáticos, tanto pelo envenenamento da terra quanto pelo desmatamento. As nascentes dos rios abundantes no cerrado estão todas sendo contaminadas ou mortas.” (Cartilha da 16a Romaria da Terra e da Água do Piauí)

  5. Contestamos com veemência a proposta do Projeto de Lei no 76, do Governador Rafael Fonteles, substitutivo da atual Lei de Política Ambiental do Piauí, que tramita na Assembleia Legislativa do Piauí – ALEPI. Entendemos que, se a lei atual no 4.854, de 10 de julho de 1996, tivesse que passar por revisão, deveria pautar normas mais rígidas de defesa, proteção e promoção da qualidade da vida nos territórios com livre e amadurecida participação das populações impactadas, ao contrário da proposição de gabinete de uma exagerada flexibilização do processo de licenciamento ambiental, favorecendo um modelo de “desenvolvimento” que mata em vez de promover o crescimento humano, agroecológico e econômico da população dos territórios. Ressalte-se que a proposta em trâmite, para nós representa violação de direitos socioambientais e territoriais, com propositada subtração de riquezas naturais dos territórios e promoção de mais lucros das corporações e mais miséria na população, especialmente comunidades tradicionais.

Nossas proposições

  1. Imediata atualização e funcionamento, com mecanismos de monitoramento público, dos Comitês de Bacias Hidrográficas dos Rios Piauí e Canindé e do Rio Parnaíba, com urgente apresentação de dossiê da situação das referidas bacias.

  2. Socorro urgente a demanda de água potável e dessedentação animal no território Serra da Capivara.

  3. Urgente revitalização do Rio Piauí e sua mata ciliar para o devido abastecimento da barragem Petrônio Portela, como forma estruturante convincente para a solução da falta de água potável para o Território Serra da Capivara.

  4. Imediata regulamentação das Leis Estaduais da Agricultura Familiar; da Semente da Fartura do Piauí e da Agroecologia;

  5. Efetiva e urgente articulação das diversas redes da sociedade civil em vista de uma incidência orgânica para as políticas públicas de meio ambiente e agroecologia.

  6. Maior investimento por parte da SEDUC nos processos pedagógicos das Escolas Famílias Agrícolas – EFAs, voltados para formação de técnicos e técnicas em práticas agroecológicas.

  7. Instalação de cursos superiores de agroecologia em todos os territórios do Estado do Piauí, nas Universidades Públicas Estaduais e Federais.

  8. Que a classe política da Serra da Capivara, tome atitude urgente em defesa do Quilombo Lagoas, com estratégias eficazes para o seguimento e conclusão regulamentar do processo de titulação do seu território.

São Raimundo Nonato-PI, 30 de abril de 2025.

Organizações, cidadãs e cidadãos participantes do
V Seminário Piauiense de Agroecologia e
VIII Grito do Semiárido Piauiense